Nesta terça (26), um debate com o tema “O latifúndio mata: 20 anos do massacre de Eldorados dos Carajás” reuniu cerca de 30 pessoas no Diretório Acadêmico da Economia, Contábeis e Atuariais (DAECA) da UFRGS. A atividade foi organizada pelo Levante Popular da Juventude e pelo DAECA e contou com a participação de António Braga, do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O grupo assistiu ainda a um excerto do filme “Massacre de Eldorado dos Carajás (Nas Terras do Bem Virá)”.
O debate que aconteceu nesta terça-feira, no DAECA, passou pela atual conjuntura brasileira, pela repressão aos movimentos sociais e pela luta pela terra no Brasil. Anelise Bernardy, do Levante Popular da Juventude e estudante de Ciências Sociais na UFRGS, começou apresentando o espaço e reforçando a necessidade de construir “espaços para conversar e acolher os movimentos sociais na universidade”. Como anda a luta pela terra? Como o MST vê a atual conjuntura? Qual o projeto do Movimento Sem Terra para o Brasil? Como a universidade pode colaborar? Estas foram algumas das perguntas disparadoras do debate.
A 17 de Abril de 1996, no município de Eldorado dos Carajás no sul do Pará, o MST enfrentava o latifúndio de frente. Nesse dia, a braços com a Polícia Militar, o latifúndio matou 19 militantes Sem Terra. Este foi um massacre de ampla repercussão a nível internacional, mas a impunidade continua até aos dias de hoje, uma vez que nunca foram julgados: Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil na altura; o governador do Pará Almir Gabriel, que determinou a ação; o coronel Mário Pantoja, que deu ordem para atirar; e a mineradora Vale que, segundo os autos de investigação, financiou o massacre. Entre 1995 e 1997, se consolidava no Brasil a implantação do neoliberalismo. Os petroleiros faziam greve e o exército saía à rua para reprimir os movimentos sociais. A mineradora Vale era privatizada.
O recente assassinato de dois Sem Terra pela Polícia Militar do Paraná, no dia 7 de abril, nos leva a pensar na repressão, criminalização e violência contra os movimentos sociais como ferramenta necessária para aplicar um determinado modelo económico. “A violência ataca os empobrecidos, os indígenas, os negros, mas não é por isso que a luta pára”, diz António Braga, acampado em Cruz Alta pelo MST e agro-ecólogo. “A luta por terra não começou com o MST e é uma luta pesada. Muitos companheiros foram mortos”, acrescenta.
“Não houve transformações profundas”
António Braga lembra que, atualmente, menos de 1% da população brasileira detém cerca de 40% do PIB brasileiro e que nos últimos 12 anos “não houve nenhuma transformação profunda para alterar esta realidade e distribuir a riqueza”. O MST, na região metropolitana de Porto Alegre, transformou o Brasil no maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Na contramão de um processo de transformação do modelo de agricultura, que o Agronegócio diz não ser possível, o governo destina 180 bilhões para o Agronegócio e 28 bilhões para a Agricultura Familiar, fortalecendo sua aliança com os banqueiros e empresas multinacionais.
“O agronegócio tem subsídio, veneno não paga imposto”, reforça Braga. No início deste mês, uns dias depois da presidenta Dilma Rousseff assinar 25 decretos para desapropriação de 56 mil hectares que seriam destinados à Reforma Agrária e à regularização de territórios Quilombolas, a grande mídia faz uma reportagem falando de irregularidades nos lotes da Reforma Agrária e o TCU suspende a concessão de benefícios. “A elite nos ataca constantemente. O Tribunal de Contas da União bloqueou todos os recursos para a Reforma Agrária”, que chegam por meio de editais, como explica António Braga.
Para o agro-ecólogo do MST, a Reforma Agrária é uma das transformações necessárias, tanto para “travar o envenenamento das pessoas e da terra, como para distribuir riqueza”. No entanto, não basta fazer a Reforma Agrária e não mudar os modelos de desenvolvimento, não acabar com o capitalismo: “Nosso enfoque é em cima do modelo de desenvolvimento que se aplica, que expulsa as pessoas da sua terra e que gera lucro para meia dúzia. Não é só o modelo de desenvolvimento da agricultura, mas também da energia, de exploração de minério”. Hoje, segundo António Braga, o projeto de Reforma Agrária Popular do MST prevê um “novo modelo de desenvolvimento económico ancorado em questões sociais e ambientais, sustentado na agroecologia”. Acrescenta ainda que as “reformas são necessárias para um país mais justo, mas sem luta não vai haver mudança”.
Ponte para o Futuro do PMDB “quer tirar dos empobrecidos”
“Nossa democracia é uma criança”, diz António Braga. Para onde vai a crise económica e política? Quais os próximos passos? São perguntas que surgem entre os estudantes presentes no debate. Integrando a Frente Brasil Popular, para o MST a luta atual deve se sustentar na defesa da democracia. Nas palavras de Braga, “não houve crime de responsabilidade. Se trata de um golpe, de uma ação de um grupo financiado por empresários”. Esta ação com o objetivo de derrubar Dilma e a provável instauração de um governo liderado por Michel Temer, representa uma vitória do modelo neoliberal. A “Ponte Para o Futuro”, programa para um governo PMDB que já circula pelos meios de comunicação, pretende “resolver a crise com arrocho e corte nos direitos trabalhistas, é ponte para um futuro que beneficia meia dúzia e quer tirar dos empobrecidos”, afirmou. O agro-ecólogo lembrou ainda que o pré-sal brasileiro, que financia saúde e educação, também está em risco. A privatização de empresas – como a Petrobras – é apresentada como solução para a crise por setores da burguesia e da política brasileira.
“A única forma de fazer frente ao que vem aí é se organizando, lutando ao lado dos trabalhadores. É preciso combater o pensamento, que a própria universidade promove, de que a saída é individual”, disse Braga. Para este acampado e coordenador do MST, “a luta de classes está aí e a tarefa importantíssima da juventude é se organizar, montar comitês em defesa da democracia”. A Frente Brasil Popular está criando uma cartilha que auxilia na criação de comitês depois de, no espaço de apenas 15 dias, terem explodido comitês em diversos lugares, inclusive universidades. Diante deste movimento, Braga defende que “estamos num processo de aglutinação de forças”.
Terminando o debate, o poema “Oziel está presente” é lido pela estudante Anelise. Para o MST, os seus mártires são como força para seguir na luta. Como diz Braga, “lembramos nossos mortos para reafirmar a importância da luta pela terra”.